Organização
e caos em um complexo, frágil e milagroso equilíbrio, entropia. Esta é a Terra,
um sistema vivo, sem sobras e excedentes, formada por elementos, teias e
conexões onde cada um, por menor que seja, possui uma função e importância para
a formação de um todo maior e interdependente. A ruptura em certos padrões
naturais, provocados por obras humanas, vem modificando as relações construídas
a bilhões de anos, trazendo a tona novos problemas ambientais e ameaçando a
própria existência do homem no planeta.
Desde a sua origem o homem vem
adaptando-se ao ambiente e utilizando e dominando os recursos advindos da
natureza. Terra e homem: o que inicialmente era apenas uma relação de consumo para
manter-se vivo passou a ser uma relação de submissão. A exploração dos recursos
ambientais passou da necessidade para supérfluo, incentivada pelo ‘American way
of live’, um estilo de vida baseado no consumismo exagerado e no crescimento
econômico, na segregação e exploração de uns em detrimento do conforto e
bem-estar de outros.
Trazer
discussões sobre a questão social e ambiental tendo como plano de fundo o
desenrolar de um enredo maior, utilizando para isto um meio de comunicação de
massa com foco no apelo, na linguagem, no olhar e na experiência – essa é o
esboço utilizado no documentário “Lixo Extraordinário”. Meio ambiente, lixo e
arte. Mais do que mostrar o cenário de degradação pura e simples, o
documentário Lixo Extraordinário busca revelar histórias verdadeiras, de
pessoas reais que tem no lixo a única chance de existir. O aterro de Jardim Cramacho, o lixão que
atendeu durante anos os municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, é
o plano de fundo para que o artista plástico Vik Muniz veja arte no descarte,
oportunidade na miséria, sonhos na realidade.
Histórias
de vida ligadas pelo lixo. Gente
brasileira, cidadãos, que não apenas existem e esperam, mas pensam, organizam
em busca de melhores condições de trabalho e vida. Valter, Tião, Isis, Irmã,
Joãos, Marias, Josés, personagens reais que emprestam suas faces, seus
sentimentos e suas falas para a arte de Vik. Os rostos marcados pelo sol, suor
e dor, transformados em arte através do próprio lixo. Mosaico de cores,
texturas e materiais unidos para transmitir emoções e expressões das mais
variadas no público.
E
assim, o que ninguém observava, ou preferia não ver, agora é exposto e
contemplado. O lixo ganha status quo de arte e as pessoas (catadores) ganham,
momentaneamente, atenção, respeito. Daí, um problema crônico é revelado, não a
questão do lixo por si só, mas a estrutura e o modelo econômico vigente, as
desigualdades da sociedade brasileira e padrão de consumo insustentável que vivemos.
Problemas que não impendem
os personagens reais de sonhar, agir, sorrir. A associação de catadores de
resíduos sólidos de Gramacho é um dos exemplos, uma tentativa organizada de
representar a classe junto à sociedade, diminuir o preconceito e trazer
melhores condições de vida para aquelas estes profissionais. Um jovem catador e
seu hábito de leitura, uma garota aos 18 anos mãe de dois filhos, uma senhora
que retira do lixo o alimento para os catadores, numa espécie de copa onde é
servido o almoço nos dias de trabalho. Uma cadeia produtiva gerada pelo o que
não se quer mais.
O retrato imperfeito de
uma sociedade segreda que através do olhar de Vik Muniz é divulgada para o
mundo. E, neste caso, o final feliz que aponta o documentário é o início de uma
nova vida e uma contribuição sumamente importante para aproximar ainda mais a
questão ambiental do cotidiano das pessoas.
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